quinta-feira, 9 de outubro de 2008

Dos peliculas de Nicolas Guillén Ladrian

Cinema Que Pensa - Secção Paraná

Crônica de um Segundo Dia


Tecendo a manhã
Poema de João Cabral de Melo Neto

1.

Um galo sozinho não tece uma manhã:
ele precisará sempre de outros galos.

De um que apanhe esse grito que ele
e o lance a outro; de um outro galo
que apanhe o grito de um galo antes
e o lance a outro; e de outros galos
que com muitos outros galos se cruzem
os fios de sol de seus gritos de galo,
para que a manhã, desde uma teia tênue,
se vá tecendo, entre todos os galos.

2.

E se encorpando em tela, entre todos,
se erguendo tenda, onde entrem todos,
se entretendendo para todos, no toldo
(a manhã) que plana livre de armação.

A manhã, toldo de um tecido tão aéreo
que, tecido, se eleva por si: luz balão.


Sob a luz radiante desta manhã de 09 de Outubro de 2008, no MON, a chegada de Paula Gaitán e Eryk Rocha, a nos oferecer Café Arabiga, documentário científico popular de Nicolas Guillén Landrian.

De dentro da cultura musical de Cuba, de dentro da revolução orquestrada por Fidel e seus companheiros, Guillén nos apresenta - ainda hoje com o frescor das coisas grávidas de mistério e ternura, Ave Che! - os tratos com o campo, com a terra, com a cultura do café, desde as mudas até a colheita e a secagem, hasta la calle.

E assim, de la calle à Barrio Viejo, Paula Gaitan nos apresenta nesta outra película de Nicolas Guillén, as faces e os gestos dos cubanos, os rostos e corpos dançantes das mulheres de Cuba, ao som dos ritmos musicais que os caracterizam, como já vimos em Salut les cubains, de Agnés Varda.

Aliás, na Revista Cine Cubano 14-15(1963), Mario Rodriguez Alemán já indicava a proximidade - a ponte clandestina - de Guillén e outros cineastas residentes no Instituto Cubano de Arte e Indústria Cinematográfica (ICAIC), com a avant guard francesa.

Na abertura de Salut les cubains, vemos os francos-filmadores Joris Ivens, Chris Marker e outros ilustres que desfilam junto a la gente de Cuba, com suas câmeras nas mãos, na proximidade dos olhos. Heróicos furores.

É curioso que ressoe ainda, na edição destes filmes de Guillén exibidos no Cinema Que Pensa, algumas das premissas que encontramos em Fernando Birri, quando este inventou o Instituto del Cine na Universidade do Litoral, de Santa Fé, Argentina: os fotodocumentales.

Imagens fixas que se enunciam com muito bom humor na cadência dos instrumentos de sopro e instrumentos de percussão.

Mas também a vanguarda literária que surgiu nos anos 50 e 60 se faz presente, o poema concreto, gráfico, visual e, todas as formas operantes de comunicação, a literatura, o poema declamado em voz alta, os jornais, as revistas, propagandas, programas de rádio (com a sonoridade se sobrepondo às imagens fixas, montagem articulada de planos de conjunto, planos médios, primeiros planos, planos de conjunto) re-unidas no cinema, quase-cinejornal, científico, poético, revolução. Avec Godard.

O Café Arabiga é uma revista? Que é isto, um cinema político ou um programa de extensão rural?

A flauta andina saúda o guerrilheiro Fidel.

Valorizando a expressão do sangue, as exortações revolucionárias ingressam em caracteres gráficos na tela, cantantes, se insurgindo sobre uma voz dramática no rádio, que declama, entoa um poema de amor, de paixão e desejo ardente pela mulher cubana, única entre todas as mulheres.

Cinema e política, política e cinema, nos diz Eryk Rocha, acerca de Pachamama.

No Café Arabiga, a bebida fumegante que surge da reforma agrária, está na florada dos grãos, está nos bules, nas ruas, onde as multidões, o povo, a gente de Cuba, se inflama, revolucionária ao som das cordas de um contrabaixo e de uma música dos Beatles, “The fool in the hill” – enquanto o sol se põe.

Em Barrio Viejo, revelam-se flagrantes de olhares curiosos, sorrisos e risos, bigodes, casas comerciais, casarios, telhados, janelas, paralepípedos, transeuntes, costumes, religiosidades, o Cristo morto, a santería. A face negra, mulata, os homens barbudos, as mulheres formosas, instantâneos de um cotidiano no Barrio Viejo, em Havana, anos novos da Revolução.

Na última cartela de Barrio Viejo, sob o fundo negro se insere a palavra “fin” e, logo em seguida, “pero no es el fin”.

A foto é de Alberto Díaz (Korda) e é intitulada "O Quixote do poste de Luz" ("El Quijote de la Farola"). Esta foto foi tirada no dia 26 de junho de 1959, durante uma comemoração do triunfo da Revolução Cubana, na praça da Revolução ( antiga Praça Cívica de Havana).

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