Crônica de um Segundo Dia
Tecendo a manhã
Poema de João Cabral de Melo Neto
1.
Um galo sozinho não tece uma manhã:
ele precisará sempre de outros galos.
De um que apanhe esse grito que ele
e o lance a outro; de um outro galo
que apanhe o grito de um galo antes
e o lance a outro; e de outros galos
que com muitos outros galos se cruzem
os fios de sol de seus gritos de galo,
para que a manhã, desde uma teia tênue,
se vá tecendo, entre todos os galos.
2.
E se encorpando em tela, entre todos,
se erguendo tenda, onde entrem todos,
se entretendendo para todos, no toldo
(a manhã) que plana livre de armação.
A manhã, toldo de um tecido tão aéreo
que, tecido, se eleva por si: luz balão.
De dentro da cultura musical de Cuba, de dentro da revolução orquestrada por Fidel e seus companheiros, Guillén nos apresenta - ainda hoje com o frescor das coisas grávidas de mistério e ternura, Ave Che! - os tratos com o campo, com a terra, com a cultura do café, desde as mudas até a colheita e a secagem, hasta la calle.
E assim, de la calle à Barrio Viejo, Paula Gaitan nos apresenta nesta outra película de Nicolas Guillén, as faces e os gestos dos cubanos, os rostos e corpos dançantes das mulheres de Cuba, ao som dos ritmos musicais que os caracterizam, como já vimos em Salut les cubains, de Agnés Varda.
Aliás, na Revista Cine Cubano 14-15(1963), Mario Rodriguez Alemán já indicava a proximidade - a ponte clandestina - de Guillén e outros cineastas residentes no Instituto Cubano de Arte e Indústria Cinematográfica (ICAIC), com a avant guard francesa.
Na abertura de Salut les cubains, vemos os francos-filmadores Joris Ivens, Chris Marker e outros ilustres que desfilam junto a la gente de Cuba, com suas câmeras nas mãos, na proximidade dos olhos. Heróicos furores.
É curioso que ressoe ainda, na edição destes filmes de Guillén exibidos no Cinema Que Pensa, algumas das premissas que encontramos
Imagens fixas que se enunciam com muito bom humor na cadência dos instrumentos de sopro e instrumentos de percussão.
Mas também a vanguarda literária que surgiu nos anos 50 e 60 se faz presente, o poema concreto, gráfico, visual e, todas as formas operantes de comunicação, a literatura, o poema declamado em voz alta, os jornais, as revistas, propagandas, programas de rádio (com a sonoridade se sobrepondo às imagens fixas, montagem articulada de planos de conjunto, planos médios, primeiros planos, planos de conjunto) re-unidas no cinema, quase-cinejornal, científico, poético, revolução. Avec Godard.
O Café Arabiga é uma revista? Que é isto, um cinema político ou um programa de extensão rural?
A flauta andina saúda o guerrilheiro Fidel.
Valorizando a expressão do sangue, as exortações revolucionárias ingressam em caracteres gráficos na tela, cantantes, se insurgindo sobre uma voz dramática no rádio, que declama, entoa um poema de amor, de paixão e desejo ardente pela mulher cubana, única entre todas as mulheres.
Cinema e política, política e cinema, nos diz Eryk Rocha, acerca de Pachamama.
No Café Arabiga, a bebida fumegante que surge da reforma agrária, está na florada dos grãos, está nos bules, nas ruas, onde as multidões, o povo, a gente de Cuba, se inflama, revolucionária ao som das cordas de um contrabaixo e de uma música dos Beatles, “The fool in the hill” – enquanto o sol se põe.
A foto é de Alberto Díaz (Korda) e é intitulada "O Quixote do poste de Luz" ("El Quijote de
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